segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Como foi produzir Roberto Carlos ? - Entrevista c/ Guto Graça Melo, 2002

                 O Acústico MTV Roberto Carlos.   

Entrevista com o Guto Graça Melo 
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Como foi produzir Roberto Carlos no Acústico MTV? A gravação foi em maio e o. CD saiu só em dezembro. Por que a demora?


O Roberto é super detalhista e a idéia era preservar o material o máximo possível. 

Chegou uma hora em que a imprensa começou a falar que ele estaria regravando tudo. Mas na verdade, o que ele fez foi estudar como preservar o que havia sido feito e, evidentemente, melhorar da maneira que fosse possível. 


Ele trabalhou estudando as vozes dos dois shows que foram gravados, além dos ensaios, que também foram gravados.
 

Ele chegou a tentar colocar uma voz, mas vimos que não dava certo por causa dos vazamentos ( numa gravação ao vivo, o microfone da voz capta sons do público e de instrumentos ). Trocamos sílabas que não estavam boas. Enfim, verificamos sílaba por sílaba, foi um trabalho de joalheiro mesmo.
 

A verdade é que o Roberto sempre leva muito tempo para fazer os discos dele: cinco, seis meses. Mas dessa vez, como todo mundo - o público, a imprensa - viu o dia em que o disco foi gravado, o tempo de produção ficou muito exposto
 

Como é o Roberto Carlos no estúdio ?
 

Ele é extremamente cuidadoso com a voz dele. Nós, quando ouvimos o Roberto cantar, já achamos uma maravilha, mas ele consegue prestar atenção em detalhes que ninguém mais percebe numa primeira impressão. Investigar a própria voz é um dos maiores prazeres dele.
 

Nesse trabalho, ele acabou descobrindo coisas sensacionais sobre Pro Tools ( software de edição musical ) que eu mesmo nem sabia, especialmente em relação ao Auto Tune ( plug-in que tem a função de afinar vozes ou instrumentos musicais ).
 

Todo mundo sabe que o Auto Tune provoca um delay ( atraso no som ) quando a gente usa os processadores ou o plug-in.
 

Mas ele percebeu que provocava vários delays internos: se você afina uma sílaba no meio de uma frase, essa sílaba acaba ligeiramente deslocada. ( Isso não ocorre mais porque hj os computadores são bem mais eficientes )
 

Mas houve overdub na voz dele ? ( Overdub é uma “dublagem em cima da gravaçao original. Essa técnica é muito usada principalmente em filmes de ação )
 

Não, se mexemos 20 vezes no show inteiro na voz foi muito. E isso não é nada, até porque geralmente o problema era com a letra, com uma palavra que não saía correta, coisas assim. Mas cada questãozinha demorava um tempo enorme para ser resolvida,  porque tentávamos várias possibilidades.

E aquela história de que o Roberto grava a mesma música em tons diferentes?

 

Isso não aconteceu nesse trabalho. Aliás, ele me surpreendeu muito em relação às histórias que sempre ouvi.
 

Quando começamos a preparar esse disco, o primeiro conceito que apareceu foi o de evitar qualquer comportamento cerebral em relação às músicas, como fazer uma harmonia super sofisticada aqui, ou incluir uma introdução ali.
 

Todas começam com o quinteto dando um acorde, começando a levada, e o Roberto entrando onde quisesse. Um detalhe importante é que não foram feitas cifras, nada foi escrito. As músicas eram todas muito conhecidas. Acertamos poucos detalhes.
 

Mas o ponto a que eu quero chegar é que o Roberto fez o show direto, como se fosse um show qualquer. A única vez em que ele parou foi em uma música, quando estava tocando o piano e errou um acorde.
 

Normalmente, nas outras gravações de shows, os músicos param o tempo todo, repetem músicas quatro vezes... Então o que seria aquela encheção de saco do público, de ouvir 500 vezes a mesma música, foi feito no estúdio.
 

O que o Roberto mais quer é não mexer na voz, mas às vezes para chegar à conclusão de que o melhor é não mexer, ele leva 20 dias. A questão é que ele verifica tudo, cada respiração. Eu passei seis meses chegando ao estúdio às duas da tarde e saindo às seis da manhã.
 

E aquele estilo de mixagem, com a voz dele lá na frente e a banda atrás? ( A expressão "voz lá na frente" é tipica do mundo dos estúdios. Usa-se tb "voz muito na cara". Quer dizer que a voz está muito alta em relação ao instrumental )
 

Isso é o jeito dele, não tem como interferir. Sempre foi assim.

É muito diferente trabalhar com cantores e fazer a produção de bandas?

 

Eu nunca fui um produtor de bandas, tenho uma dificuldade enorme em lidar com elas, com aquela coisa de todos serem donos e quererem colocar seus instrumentos lá na frente.
("lá na frente" =muito altos. Nas bandas é comum a briga pra ter seu instrumento mais alto rsrsr ). A administração do disco é completamente diferente.
 

Mas quando você trabalha com um disco de cantor, a preocupação é sempre a mesma: a voz.
 

O Roberto diz que a voz tem que ser como uma lua cheia nascendo. Você não pode ver um pedaço da lua, tem que ver a lua inteira. Não precisa ser alta, mas você tem que ver o redondo da lua completo.
 

Ou seja, ela tem que estar completamente fora da base ( "fora da base", tb significa voz mais alta que os instrumentos ). 
Se tiver um suspiro dele que não apareça, ele reclama. Além disso, o Roberto não gosta que se mova muito a voz, que se faça um ride com ela.( fazer ride = corringir pequenos desencontros )
 

Ele gosta que a voz fique com a dinâmica que ele deu a ela. Então só tem um jeito: muito volume.
 

E ao mesmo tempo, ele é sensível à compressão ( aparelho que corrige grandes variações de intensidade ).
 

Não adianta, ele logo diz "ei, o que aconteceu com a minha voz?".

Você presta muita atenção na voz?

 

Tenho muito cuidado com elementos que são maravilhosos em si, mas que podem desviar a atenção da voz. Isso eu aprendi com o João Gilberto.
 

A gente tinha gravado voz e violão do João no Brasil e os outros instrumentos eu coloquei sem a presença dele, lá nos EUA.
 

Ele não ficou contente, claro, mas acabou aprovando, com a exceção de um detalhe em uma música: o saxofonista Tommy Scott, que usou uma espécie de clarineta elétrica - tocando lá atrás enquanto o João cantava, mas sem interferir na voz. E o João pediu para retirar esse instrumento.
 

Eu perguntei se ele achava que estava muito alto ou feio e ele respondeu que não, mas disse: "sabe qual é problema? Quem escutar isso vai perguntar 'quem é esse cantor chato que não deixa a gente ouvir o som lindo que está sendo feito lá atrás'".
( lá atrás = pouco volume )
 

Ele está certíssimo, isso foi a maior lição para a produção de um disco de cantor.

Você aprendeu muito com os próprios erros?

 

Claro. Principalmente com essa coisa de dizer que sabe fazer o que não sabe: querer ser técnico no lugar do técnico e outras coisas assim.
 

Além disso, se empolgar com a tecnologia e começar a achar que o equipamento é mais importante do que a arte.
 

Eu acho que estou fora do perfil mundial atual do produtor; aquele que faz três faixas em um dia, faixas em que ele tocou, fez o arranjo, e o artista é quase um robô que faz só o que ele quer. Depois ele coloca a música na rua, vende um milhão de discos, bota a grana no bolso e é isso.
 

O meu barato é outro: é extrair do artista o que ele tem de melhor.

 

E então ? Gostaram da entrevista ? Comentem

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